Da série IMAGENS ABSTRATAS. Foto: Francisco Ferreira.
Agentes do Mal
No dia
de ontem participei da Comissão Julgadora de um desfile infantil pela
comemoração do Dia da Consciência Negra em uma escola, em que desfilaram seis
meninas e quatro meninos. Os quesitos para julgamento eram: caracterização,
elegância, simpatia e desenvoltura. A premiação se consistia de um quite de materiais
escolares ofertados pela direção, para todos, independente de classificação e,
como diz um humorista de uma rádio daqui das Gerais: até aí, tudo bem! Os meninos estavam de bermudas e com algumas pinturas
nas costas e peito, a la Timbalada e
as meninas, com motivos afros. Todos desfilaram com o melhor de seus sorrisos e
timidez. E estavam lindos, como toda criança o é.
Passado
o desfile partimos para a classificação. A
priori quero deixar registrado aqui que sou visceralmente contra
classificar crianças em “lugares” quando se trata de atributos físicos,
acredito que a melhor maneira de fazê-lo é classificar todas por
características: Mis Alegria, Mis Elegância e por aí afora. Quando percebi que
a tendência era escolher um vencedor, um segundo e um terceiro lugar em cada
gênero, sugeri que empatássemos duas meninas em cada posição e contemplássemos
todas e, a princípio, parecia que os demais membros do júri iriam concordar,
mas... e é aqui que a porca torce o rabo,
em todos os lugares em que vamos tem sempre aquela gente e aquele agente do
mal, que não se importa com a dor do outro e, sob a sua influência, tendo eu
sido voto vencido, classificaram-se as meninas à moda tradicional. Resultado: três
meninas ficaram radiantes de felicidade, enquanto outras três caíram no choro.
Excetuando-se
a mim, todos os componentes da Mesa eram pedagogos e, portanto, o mínimo que se
esperava deles é de que tivessem habilidades para lidar com crianças e sendo
mães, uma muito maior sensibilidade. Mas, aos agentes do mal, não lhes
interessa a dor alheia, aliás, tais dores lhes causam prazer. Daí,
questiono-me: será que os tais agentes do mal nunca tiveram perdas, e, em não
as tendo, são incapazes de mensurar a perda alheia? Ou é justamente o
contrário: são pessoas com um acúmulo tão grande de derrotas pessoais e dores,
que culpam a todo o mundo por este estado de alma e querem se vingar de toda a
humanidade? Será que não entendem que crianças carentes como aquelas, cuja raça
já se constitui num entrave em suas vidas em nosso país de racistas, precisam
se sentir valorizadas? O que leva alguém que, em podendo fazer a alegria de
três crianças, gratuitamente, opta por fazê-las se sentirem feias, perdedoras,
tristes? Fazê-las chorar?
Confesso
que fiquei triste, enraivecido e consternado com a situação. Não me alimentei e
nem dormi bem ontem e que a imagem daquelas três meninas amarguradas, com quem
convivo todos os dias, não me saiu da memória e me causa dor toda vez de que me
lembro de suas lágrimas. Mas, de tudo, se tiram lições importantes e a minha é
de que, havendo uma nova oportunidade igual a essa, só aceitarei se as nuanças
do julgamento forem exaustivamente debatidas e bem definidas previamente e
cujas classificações se deem de forma diferente, caso contrário, nem me darei
ao trabalho de assistir.
Uma
boa semana a todos com mais sensibilidade e julgamentos justos.
Publicação da semana em minha coluna FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO
NOTURNO DE LETRAS do Rio de Janeiro (RJ), em 13/11/17.
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