sábado, 18 de novembro de 2017

Textos Publicados 2017 - 069 (N.º 640 - Ano IV)

Da série IMAGENS ABSTRATAS. Foto: Francisco Ferreira.

Agentes do Mal



No dia de ontem participei da Comissão Julgadora de um desfile infantil pela comemoração do Dia da Consciência Negra em uma escola, em que desfilaram seis meninas e quatro meninos. Os quesitos para julgamento eram: caracterização, elegância, simpatia e desenvoltura. A premiação se consistia de um quite de materiais escolares ofertados pela direção, para todos, independente de classificação e, como diz um humorista de uma rádio daqui das Gerais: até aí, tudo bem! Os meninos estavam de bermudas e com algumas pinturas nas costas e peito, a la Timbalada e as meninas, com motivos afros. Todos desfilaram com o melhor de seus sorrisos e timidez. E estavam lindos, como toda criança o é.

Passado o desfile partimos para a classificação. A priori quero deixar registrado aqui que sou visceralmente contra classificar crianças em “lugares” quando se trata de atributos físicos, acredito que a melhor maneira de fazê-lo é classificar todas por características: Mis Alegria, Mis Elegância e por aí afora. Quando percebi que a tendência era escolher um vencedor, um segundo e um terceiro lugar em cada gênero, sugeri que empatássemos duas meninas em cada posição e contemplássemos todas e, a princípio, parecia que os demais membros do júri iriam concordar, mas... e é aqui que a porca torce o rabo, em todos os lugares em que vamos tem sempre aquela gente e aquele agente do mal, que não se importa com a dor do outro e, sob a sua influência, tendo eu sido voto vencido, classificaram-se as meninas à moda tradicional. Resultado: três meninas ficaram radiantes de felicidade, enquanto outras três caíram no choro.

Excetuando-se a mim, todos os componentes da Mesa eram pedagogos e, portanto, o mínimo que se esperava deles é de que tivessem habilidades para lidar com crianças e sendo mães, uma muito maior sensibilidade. Mas, aos agentes do mal, não lhes interessa a dor alheia, aliás, tais dores lhes causam prazer. Daí, questiono-me: será que os tais agentes do mal nunca tiveram perdas, e, em não as tendo, são incapazes de mensurar a perda alheia? Ou é justamente o contrário: são pessoas com um acúmulo tão grande de derrotas pessoais e dores, que culpam a todo o mundo por este estado de alma e querem se vingar de toda a humanidade? Será que não entendem que crianças carentes como aquelas, cuja raça já se constitui num entrave em suas vidas em nosso país de racistas, precisam se sentir valorizadas? O que leva alguém que, em podendo fazer a alegria de três crianças, gratuitamente, opta por fazê-las se sentirem feias, perdedoras, tristes?  Fazê-las chorar?

Confesso que fiquei triste, enraivecido e consternado com a situação. Não me alimentei e nem dormi bem ontem e que a imagem daquelas três meninas amarguradas, com quem convivo todos os dias, não me saiu da memória e me causa dor toda vez de que me lembro de suas lágrimas. Mas, de tudo, se tiram lições importantes e a minha é de que, havendo uma nova oportunidade igual a essa, só aceitarei se as nuanças do julgamento forem exaustivamente debatidas e bem definidas previamente e cujas classificações se deem de forma diferente, caso contrário, nem me darei ao trabalho de assistir.

Uma boa semana a todos com mais sensibilidade e julgamentos justos.

Publicação da semana em minha coluna FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS do Rio de Janeiro (RJ), em 13/11/17.

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