O Amor e Seus Reflexos
Ajustamos
uns olhares de horas marcadas. Ela, tamponada na janela do quarto da sala, eu,
de passagem apressada – modos de correição – como quem ia de compromissos e
urgências. Mas qual? Pura vadiagem de menino-homem ainda frango, querendo
ensaiar os primeiros cantos de galo.
Assim
foi que dei os primeiros passos em terrenos de mulher, em barra de “barra de
saia”, em negócios de fêmea. Conforme é muito fácil o percebimento, neste longe
ainda não conhecia corpo e gosto de mulher, galalauzinho que eu era. Mas para
aprender a ser homem basta o faro. Não carece professor, receita, mapa... nem
bússola.
Passa
tempo...
Tempo
passa e aquilo engrossou o caldo feito mingau em fogo baixo e ganhou patentes e
liberdades. A moça iniciou tecidos de muitas agulhas e teias, sentada à porta
com os joelhos à mostra. Quem me visse zanzando ali e acolá dizia que eu estava
em trabalhos de muitos cargos, cargas e encargos de fiscalização, tantas vezes
perneava aquela rua, bem medida, aos passos lentos e curtos, rápidos e longos,
com paradas estratégicas. Certa vez
deixei flor mimosa e sem espinhos, colhida na hora, feito bandeira, no mourão
da cerca do quintal. Dia seguinte no lugar da flor, em bilhete perfumado, com
florezinhas caprichosamente desenhadas e letra redondoza, a palavra: Bobo! –
Quase nem acredito. Até hoje...
Num
domingo de festas, padres e botinas lustrosas, na fila da comunhão, a moça deu
três pancadinhas de dedos no meu cangote e falou:
--Licença!
Fiquei
uma semana alisando o lugar que ela me tocou – como uma revoada de mil e mais
mil borboletas – a mão da donzela.
Tempo
passa...
Passa
tempo e o perfeito das alegrias não foi ainda nascido para coração de homem.
Pelo menos não para coração de homem pobre. A menina de meu bem querer se jogou
de cabeça, trecos e tecidos, em noivado de supetão com um primo lá dela. Rendeu
até falatório e coisa e tal. Ele, recém chegado da Mina de Morro Velho,
amontado em besta brilhosa, bailarina e barulhenta e, carregando nas costas,
além da corcunda, estabilidade de aposentadoria precoce, movida por mal sem
cura de pleura, pulmão e fígado. Seco, amarelo e chiador feito peixe-tolo, mas
com histórias de uns cobres sobrando na algibeira e ainda mais nos bancos.
Diz-se que até talão de cheques. Arrebatou a moça e meu coração. Ela, para o
altar e cama de cabeceira alta e, aquele, para o limbo dos corações e paixões
desfeitas a força e fórceps. Bebi juras de vingança e morte em copos grandes,
“amarrei o lote”, bambeei valentia de garrucha velha e enferrujada na cinta.
Nem atirava mais, capaz que. Até que Zé Prefeito, velho sábio e cego de um
olho, mas que enxergava mais que toda a nossa gente junta, chamou-me às falas e
me segredou conselhos:
--Deixa
estar que isto não dura um nada. Nem um mijinho de gato. O rapaz é roncolho e
tem pulmão não. A moça larga logo. Ou, mais certo das certezas, é que fica
viúva. Viúva e com os cobres do desbagado. Ai você aproveita.
Embirrei.
Engoli e vomitei fel de mágoa. Quem que o cego velho pensava que eu fosse?
Cachorro pidão? Tatu de cemitério? Anu branco? Matava! Matava e pronto! Mas,
semana e meia, depois de mais cinco bebedeiras e explanação de raivas e iras
sem fim, atrelei o caso na estaca do esquecimento.
Passa
tempo...
Tempo
passa e casamento marcado, casamento rezado. Nem bem mês e meio, me chegou por
mãos de alcoviteira, carta da desposada prima do mandi. Sem perfumes e nem
florezinhas, letras agarranchadas. Mas trazia propostas de gordas safadezas,
num papel de embrulhar carne manchada de banha de porco. Isso, dizia:
“Segunda
o marido viaja a negócio. Volta só na quarta. Vou fazer um buraco na cerca no
fundo do quintal, debaixo do pé de coité e deixar a porta da cozinha só
encostada.”
A
última réstia de sol daquela segunda flagrou-me
feito lobisomem rondando os fundos da casa do casal, em busca dos fundos
da moça. E, a primeira luz da terça-feira ainda me pegou na “rapação” com a
mulher do roncador. Mas aquilo aumentou minha revolta: a moça reclamou de
tristezas e saudades, amor e outras queixas. Desejei ligeiro e raivoso mil
mortes dolorosas e lentas do rival, sem contudo, ser eu a segurar na mão da
Pantasma que o levaria para as profundas.
Entretanto,
na presença do regalo farto e fácil, degluti a rebelião e esbanjei na tarefa,
de eito e empreitada, de sujar, nos lençóis da menina, o nome e a honra do
sujeito ladrão dos amores da gente. Este gozo durou pouco mais de meio ano,
porém. Numa segunda, tarde da noite, o
ofendido em honra chamou a mulher dele na porta da sala e eu, saí pela da
cozinha... Escapei por milagre e mira ruim, do tiro de garrucha que me
relampejou na cara e a passou a centímetros de minha orelha esquerda que me
deixou surdo por dias e mais dias e, meio mouco, até hoje.
Daí
que estou até hoje, 30 anos depois e mais umas tantas quaresmas, correndo do
roncolho, feito o diabo, da cruz. E o mandi, ao que me consta, contam e passam
recibo, está sem pressa nenhuma de dar seus ossos. Tempo passa...
Passa
tempo. E o tempo é hoje, do agorinha mesmo. Soube deles por novidadeiro de
minha terra. Diz que a moça tomou tanto gosto pela safadaria que nunca mais
largou do ofício de enfeitar a testa do chiador e que o marido ainda não
trabalhou na mira lá dele, já errou mais de dúzia e meia de tiros nos amantes
de sua senhora. Se é roncolho, só Deus,
os médicos e a mulher é quem podem dizer. Mas, ao que tudo indica, a mulher é
manina, pois nunca tiveram um filho. Nem dele e nem doutros. Estão felizes e em
paz!
Conto classificado no PRÊMIO MARIA JOSÉ MALDONADO DE LITERATURA – 2017
da AVL – Academia Volta-redondense de Letras de Volta Redonda (RJ), em 26/9/17.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.