Flores Silvestres. Foto: Francisco Ferreira.
Viva a Indisciplina Criativa
Naquela
que foi a minha última viagem como morador da cidade de Betim (morei de 2009 a
2013) para minha Conceição do Mato Dentro, adquiri na rodoviária de Belo
Horizonte o livro Máscara de Atreu (A.J.
Hartley). Na volta, lendo os últimos capítulos, como é de meu costume sublinhava
frases e informações relevantes, palavras desconhecidas para posteriormente
buscar o significado e anotava às margens do livro. Ao meu lado, no ônibus, uma
menina de seis ou sete anos, conforme notei, de esguelha, vinha me observando
com ar de censura e balançando a cabecinha negativamente. Passado algum tempo
não se conteve, deu três pancadinhas em meu ombro e de dedinho em riste, me passou um especial: “Tá rabiscando o
livro todo. Que coisa feia! A tia vai te brigar!” Eu a expliquei que aquele não
era da escolinha e quando se tratava de nossos livros podemos e devemos
interagir com eles, senão para que serviriam os livros? Mas que ela deveria
acatar as regras da escola e da professora quanto a conservação dos livros
didáticos. O fiz com imensa tristeza.
A
escola pública embora troque de livros didáticos quase todos os anos, mantém o
tradicional e ridículo sistema de exigir que os livros “doados” aos alunos se mantenham impecáveis ao
final do ano letivo, algumas beirando ao absurdo de não permitirem que, sequer
se façam os exercícios nos próprios livros. Manietam a criatividade do
estudante e fazem do livro um objeto de terror. Ora, um livro é para ser lido,
apalpado, acariciado e principalmente permissível que o leitor interaja com
ele. Enfim, para ser amado. É comum ouvir de profissionais da educação que “os
estudantes de hoje não querem saber de ler” ou de que “o brasileiro não tem o
hábito da leitura” Mas como o seriam se não são estimulados, se vêm nos livros
apenas mais um instrumento de repressão e
forma de disciplinar e domar a criatividade? Um estudante com
dificuldade em matemática pode ser um exímio desenhista ou um bom poeta. Mas,
ai dele se ousar exibir quaisquer destas artes no livro didático que, muito
provavelmente, irá entulhar depósitos ou pior, serem jogados no lixo, para
manterem as editoras e seus esquemas com as secretarias de educação.
Quando
eu tinha de quatro para cinco anos fomos à casa de uns parentes na Tapera
(distrito de Conceição do Mato Dentro e minha terra natal), naquela época não
se comprava café em pó, os grãos eram pilados ou moídos em moinhos que todo o
mundo tinha em casa, acoplado à parede da cozinha. Este artefato tinha um pequeno
recipiente em sua base para evitar que o café que permanecia na máquina sujasse
o chão em volta. Peguei o tal recipiente, fui à bica, coloquei um pouco de água
e com aquela tinta que produzi, fiz diversas pinturas – ao estilo homem da
caverna - nas paredes de minhas tias.
Quando meus pais, envergonhados, me repreenderam pela arte, aquelas senhoras,
solteiras e sem filhos, com quase nenhuma educação formal, mas, entretanto, com
um fantástico conhecimento pedagógico empírico, ficaram bravas com eles por
tolherem a minha criatividade, pude desenhar por toda a parede e jamais esqueci.
Uma
semana cheia de criatividade, arte e indisciplina para todos.
Publicação em minha coluna FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE
LETRAS – Rio de Janeiro (RJ), em 28/8/17.
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