Borboleta. Foto Francisco Ferreira.
Com a Minha ou com a Sua?
Antigamente, aqui na roça, as coisas eram muito mais simples, tudo se resolvia com os materiais que abundavam na natureza e, à Lavoisier, nada se perdia, tudo se transformava. Aliás, em se tratando de reaproveitamento, do boi, só se perdia o berro. Naquela época a maioria das casas era de taipa, pau-a-pique ou adobe e, o reboco, terra de formiga e estrume (bosta) de boi. O processo era simples: recolhia-se as fezes do boi, adicionava-se à terra que a formiga, cavando seus túneis, retirava das tocas e estava pronta a massa para se rebocar as casas. A franqueza era algo que se prezava, ainda que algumas pessoas extrapolassem o seu campo e adentrassem o terreno da grosseria e brutalidade. O franco, muitas vezes, apenas mais um arrogante que gostava de humilhar aos outros, aproveitando-se de seu status social ou condição financeira.
Um amigo do meu avô, o Sr. JC, era especialista neste tipo de serviço, um expert em rebocar com bosta de boi. Pois bem, em vésperas de festa religiosa – e o nosso calendário era recheado delas -, o sujeito batia à porta de Seu JC para agendar o serviço. É de bom alvitre lembrar que o dito JC, em suas próprias palavras, havia “deixado de ser branco para ser franco” e dizia as verdades que acreditava fosse onde, quando, como e com quem fosse. No caso dos serviços, havia duas alternativas para a aquisição do material necessário, ou seja, a bosta: ou esta era recolhida pelo dono do serviço ou pelo seu executor, Seu JC. E se desenrolava, invariavelmente, o seguinte diálogo:
−Seu JC, mês que vem é festa de São Fulano (ou Santa Bertrana) e eu tava quereno rebocá minha casa. Quiria sabe se o sinhô pudia fazê esse sirvicim pra mim?
−Posso! Posso sim! Sua casinha é simpres, miúda! Uma titica de casinha! É o prazo de capá um gato. – franqueza absoluta do nosso conterrâneo.
−E quanto é o sirviço, Seu JC?
−Aí depende! Vareia... É com minha bostia, ou com sua bostia? Por que se fô cum minha bostia é mais caro! – quando o Seu JC queria dizer minha, era que ele a recolheria.
Invariavelmente o dono do serviço o contratava, com a bosta fornecida pelo Sr. JC, mesmo pagando mais caro e nas festas dos santos de sua devoção, ostentava sua casa bem rebocada, caiada com tabatinga e feliz.
Uma excelente semana para todos.
Publicação semanal em minha coluna fixa FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS - Rio de Janeiro (RJ) em 22/5/17.
http://oceanonoturnodeletras.blogspot.com.br/2017/05/com-minha-ou-com-sua-antigamente-aqui.html
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