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A Saga de Dom Cutelo, o
Filósofo
Parte I: O NEGÓCIO DA
MOÇA
Há alguns
anos, havia uma categoria de trabalhador nas fazendas daqui das Gerais,
intitulada de Bobo de Fazenda. Normalmente tratava-se de homem com alguma
deficiência ou solteirão que morava nas fazendas e fazia os trabalhos que os
donos achavam-se muito “qualificados” para fazê-los ou que pensavam tratar-se
de rotina desimportante, para as quais não compensasse pagar um diarista. O
Bobo geralmente não era remunerado pelos seus trabalhos ou, quando remunerado,
era bem abaixo do valor correto e justo. Alguma semelhança com a vida atual?
Toda
Fazenda que se prezasse tinha por obrigação de ter o seu Bobo, algumas, até
mais de um. Faziam gaiolas, alçapões, arapucas, balaios; cuidava das galinhas
poedeiras e chocadeiras, alimentava porcos e cachorros; pegava cavalos, varria
terreiros e fornos; carregava água, lavava vasilhas, acendia fogo; e, o mais
importante, serviam de companhia para as donas de casa, as moças e as crianças
em geral. Muitos eram maltratados, apanhavam, sofriam castigos e toda sorte de
malvadezas dos fazendeiros, seus filhos e lacaios. Mas criavam uma certa
identidade com a Fazenda, muitos deles sendo capazes até de morrer pelas causas
do local e de seus donos.
Na
Fazenda do avô da Duxa, moça donzela, amante da cachaça e da boa prosa, o Bobo
era Cutelo. Dom Cutelo, o Filósofo, para ser mais exato e fazer justiça às
peripécias do rapaz. Alto e magro, parecendo um caniço, cabeça pequenina e
coração enorme, dado a bebedeiras e bravatas, arrotava valentia, sem contudo,
fazer mal nem sequer a uma mosca ou formiga. Era inofensivo e fiel como um
cãozinho de madame.
Certa
feita, numa roda de truco e cachaçada, a moça donzela Duxa, contou-nos esta
história do filósofo:
“Lá pelo tempo do
onça, quando era permitido aos candidatos fazerem festas regadas a chope,
churrasco e forró, as campanhas políticas lá na roça eram animadas. Vinha gente
da cidade, principalmente as FULANetes (que eram moças desfrutáveis que aderiam
a um ou outro candidato) e, literalmente, o pau quebrava. Se não quebrasse,
pelo menos vergava.
Bão, numa destas tais, o amigo
Cutelo, deu de mão numa das “desfrutáveis”, loiríssima, vestida sumariamente e
de trejeitos duvidosos. Mas para o filósofo era o céu. Chamou pra sofrer uma
peça, ela foi. Deu “imbigada”, ela correspondeu. Chamou pra tomar uma
“celveja”, ela foi. E, de repente, foi...
Meia hora depois, o povo se
alvoroça e alguém grita:
− Acuda gente quiu Cutelo
descangota a moça.
Corro para ver o que era e encontro
o nosso filósofo de socos e pontapés na loura. Puxo o amigo de lado e
"passo o pito":
− Quêquéisso, Dom Cutelo? O senhor
então bate em mulher agora? Desafasta! Toma tento!
No que o Filósofo, bufando de
raiva, mas já na unha do povo, desabafa:
− I num é pra mode batê, Dona Duxa?
I num é? Magina a sinhora quieu tô cum ela lá no Beco do Binidito, de boa
intenção, namorano filme, pensano inté pidi casamento. Cunversa vai, cunversa
vem, passamão no cangotim dela e ela dexa. Passamão na barriguinha dela e ela
dexa. Aí, já viu, né? Fiquei intusiasmado, quereno pruquê quereno. Quandeu levo
a mão lá... Creeeeeeeeemdospade!!! Mari valeme!!! As coisa dela é maió que as
minha, Dona Duxa! É maió quias minha!
E arrematou, dona Duxa:
−Tadim, gente! Ô dó!
Conto
publicado no blog VOZES DA IMAGINAÇÃO – em 26/6/17