Igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos. Foto: TLGMorais
Somos Todos
John
Casti em seu livro O Colapso de Tudo – excelente livro. Recomendo muito – nos
exorta a pensar, já em sua página 10, quando afirma que a “visão completa dos
fatos só ocorre quando se olha para trás” e nós, os brasileiros de um modo
geral, não temos este hábito. Afinal fomos adestrados em anos de ditadura que
“este é um país que vai pra frente, ô ô ô!” Talvez pela nossa história ser tão
contemporânea e sermos tão jovens enquanto, ou, quem sabe, não passemos mesmo
de um povo com preguiça de pensar; apreciarmos muito mais o que nos vem pronto,
fácil de se engolir sem necessidade de deglutição intelectual; há vinte anos ou
menos, o que mais se ouvia era: dívida externa, crises da balança comercial
sempre em desequilíbrio e de nossa eterna dependência da exportação de combustíveis
fósseis. Éramos, enfim, um país atolado em problemas que pareciam de solução
impossível.
De
repente, de um salto, quitamos a famigerada dívida e não mais se falou dela; o
fantasma do FMI que vivia mordendo em nossos calcanhares transformou-se em
camarada; nossa balança comercial encontrou o equilíbrio e por vezes, pendendo
até para o nosso lado; tornamo-nos autossuficientes em petróleo; o preço da
gasolina estabilizou-se; todo brasileiro com emprego fixo que quis, comprou seu
automóvel, sua casa ou apartamento; formou-se numa faculdade. Parecia que
erámos de fato um país que dava certo e perdemos o nosso complexo de
vira-latas. Mas assim que emergimos do atoleiro econômico, nos vimos, até o
pescoço, atolados em factoides, notícias tendenciosas da imprensa seletiva;
presos nas teias de juízes, procuradores e polícia sedentos de publicidade – invejosos
de Johns Waynes e Rambos – mas notoriamente parciais. E o nosso pobre povo sem
costume de olhar para trás ou ler nas entrelinhas e que se acostumou a aceitar
todo o tipo de conversa mole, mas que fosse de fácil digestão, se politizou num
passe de mágica... O sujeito despiu o técnico de futebol para sair às ruas a
economista, filósofo ou cientista político, a senhora deixou de se queixar
orgulhosamente da sua hipertensão ou do marido e passou a berrar: “fulano
ladrão”, “fora cicrana” e “somos todos beltranos” - eram todos imbecis, de fato -; os adesivos
de “nunca votei em...” substituíram os não menos criativos “Presente de Deus”
ou “Jesus te Ama” e caiu no conto do vigário, no canto do cisne, no
disse-me-disse, no colóquio flácido para acalentar bovinos. E, bem antes do que
prevíamos, acordou neste oceano de sujeiras, aberrações e maldades em que se
transformou a Nação.
Diferente
daquele adágio romano de que “à mulher de César não basta ser honesta, mas tem
de parecer honesta”, a nossa versão tupiniquim empobrecida bem que poderia ser
assim: ao brasileiro não precisa ser
politizado, basta parecer politizado nas redes sociais; e nosso pobre povo
está mais ofendido e muito mais mal pago, por não ter aprendido a olhar para
trás. Vemos nossos direitos trabalhistas serem retirados desumanamente, nossas
riquezas sendo vendidas ao preço de banana podre (de um tempo em que as bananas
custavam barato na república delas); a compra e venda de apoio político
escancarados no Congresso; as liberdades individuais tolhidas aviltantemente e
nem uma panela sequer a tambor; quiçá uma colher de chá... nem uma daquelas
donas de casa entediadas ou seus maridos atoleimados se manifestam. Bem
poderíamos usar o adesivo ou hashtag somos
todos idiotas. E reféns do monstro
que alimentamos com nossa preguiça de pensar e de escutar uma outra opinião. E,
lá no Planalto, sem cães a ladrarem a caravana passa e passeia...
Uma
semana de esperanças. Se ela não se mudou ainda.
Publicação em minha coluna FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE
LETRAS do Rio de Janeiro (RJ), em 30/10/17.