terça-feira, 31 de outubro de 2017

Textos Publicados 2017 - 066 (N.º 623 - Ano IV)


Igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos. Foto: TLGMorais

Somos Todos



John Casti em seu livro O Colapso de Tudo – excelente livro. Recomendo muito – nos exorta a pensar, já em sua página 10, quando afirma que a “visão completa dos fatos só ocorre quando se olha para trás” e nós, os brasileiros de um modo geral, não temos este hábito. Afinal fomos adestrados em anos de ditadura que “este é um país que vai pra frente, ô ô ô!” Talvez pela nossa história ser tão contemporânea e sermos tão jovens enquanto, ou, quem sabe, não passemos mesmo de um povo com preguiça de pensar; apreciarmos muito mais o que nos vem pronto, fácil de se engolir sem necessidade de deglutição intelectual; há vinte anos ou menos, o que mais se ouvia era: dívida externa, crises da balança comercial sempre em desequilíbrio e de nossa eterna dependência da exportação de combustíveis fósseis. Éramos, enfim, um país atolado em problemas que pareciam de solução impossível.

De repente, de um salto, quitamos a famigerada dívida e não mais se falou dela; o fantasma do FMI que vivia mordendo em nossos calcanhares transformou-se em camarada; nossa balança comercial encontrou o equilíbrio e por vezes, pendendo até para o nosso lado; tornamo-nos autossuficientes em petróleo; o preço da gasolina estabilizou-se; todo brasileiro com emprego fixo que quis, comprou seu automóvel, sua casa ou apartamento; formou-se numa faculdade. Parecia que erámos de fato um país que dava certo e perdemos o nosso complexo de vira-latas. Mas assim que emergimos do atoleiro econômico, nos vimos, até o pescoço, atolados em factoides, notícias tendenciosas da imprensa seletiva; presos nas teias de juízes, procuradores e polícia sedentos de publicidade – invejosos de Johns Waynes e Rambos – mas notoriamente parciais. E o nosso pobre povo sem costume de olhar para trás ou ler nas entrelinhas e que se acostumou a aceitar todo o tipo de conversa mole, mas que fosse de fácil digestão, se politizou num passe de mágica... O sujeito despiu o técnico de futebol para sair às ruas a economista, filósofo ou cientista político, a senhora deixou de se queixar orgulhosamente da sua hipertensão ou do marido e passou a berrar: “fulano ladrão”, “fora cicrana” e “somos todos beltranos”  - eram todos imbecis, de fato -; os adesivos de “nunca votei em...” substituíram os não menos criativos “Presente de Deus” ou “Jesus te Ama” e caiu no conto do vigário, no canto do cisne, no disse-me-disse, no colóquio flácido para acalentar bovinos. E, bem antes do que prevíamos, acordou neste oceano de sujeiras, aberrações e maldades em que se transformou a Nação.

Diferente daquele adágio romano de que “à mulher de César não basta ser honesta, mas tem de parecer honesta”, a nossa versão tupiniquim empobrecida bem que poderia ser assim: ao brasileiro não precisa ser politizado, basta parecer politizado nas redes sociais; e nosso pobre povo está mais ofendido e muito mais mal pago, por não ter aprendido a olhar para trás. Vemos nossos direitos trabalhistas serem retirados desumanamente, nossas riquezas sendo vendidas ao preço de banana podre (de um tempo em que as bananas custavam barato na república delas); a compra e venda de apoio político escancarados no Congresso; as liberdades individuais tolhidas aviltantemente e nem uma panela sequer a tambor; quiçá uma colher de chá... nem uma daquelas donas de casa entediadas ou seus maridos atoleimados se manifestam. Bem poderíamos usar o adesivo ou hashtag somos todos idiotas.  E reféns do monstro que alimentamos com nossa preguiça de pensar e de escutar uma outra opinião. E, lá no Planalto, sem cães a ladrarem a caravana passa e passeia...

Uma semana de esperanças. Se ela não se mudou ainda.

Publicação em minha coluna FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS do Rio de Janeiro (RJ), em 30/10/17.


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