Pixirica, Foto: Francisco Ferreira.
Seu Antônio do Padre – O Frasista
O
Sr. Antônio do Padre era solteirão iletrado, mas de muita sapiência, que vivia
na Fazenda do Morais, de propriedade de um tio meu. Por ter sido criado pelos
padres (daí a alcunha) era de grande devoção, respeitador, educado e muito
severo no vestir: não dispensando o surrado paletó nem no desempenho das
tarefas que desempenhava na fazenda. Dentre elas, lambicar a famosa cachaça Apolo XI, que, infelizmente não é mais
fabricada. Apesar da austeridade com que foi criado, desde cedo demonstrou
inclinação para bom apreciador de uma branquinha, paquerador (se bem que, a
maioria de suas paqueras, não passassem de ilusões criadas por sua mente quase
inocente), valentia inofensiva, pois sempre que se arvorava em bravatas de
tiros, porretadas e facadas, não tinha adversários, pelo respeito à sua idade,
seus modos e sua condição física. Era um Quixote mineiro a bater-se contra
moinhos imaginários. Além de ser esta figura pitoresca, era um filósofo capiau
que deixou pérolas pelo seu conteúdo humorístico. Como as que reproduzo a
seguir:
De
certa vez, apaixonado pela Marli, uns 40 anos mais
jovem do que ele, fazia vistas grossas ao namoro da pretendida com o seu
sobrinho Bastião! Teve noivado, peditório e etc. Até que, marcado o casamento,
ele não só bebeu e quis brigar, como também se negou a ir às bodas. Consumado o
inevitável e com os noivos em viajem de lua de mel, queixou-se muito aborrecido
e suspiroso: “Não despediram de mim,
mas... adeus ingrata!”
De outra feita, a casa cheia de sobrinhos da cidade em época de
férias, adolescentes barulhentos e ele, o Seu Antônio, incomodado com o
ri-ri-ri de um magote de moçoilas e rapazes na varanda, proferiu esta: “Eu sou igual ao Compadre João, rio sem
mostrar os dentes”. Nem é preciso dizer que esta frase, além de se tornar
antológica em família, rendeu mais uma semana de gargalhadas, para desconsolo
do nobre senhor.
Quando saía para tomar umas e outras, era um capítulo à parte nas
peripécias do Seu Antônio, ficar logo muito valente e estufando o peito
esquelético, sob o indispensável paletó, de dedo em riste na porta do boteco do
Melquíades, lascava: "Comigo é
assim: pato num bota! Se botá, num choca! Se chocá, num tira! Se tirá num cria
e, se criá, eu mato!" E ainda na fase bêbado-valente: "Eu, sou-me eu, e jacarés é um bicho!"
E a que eu mais aprecio: bêbado-valente-romântico, muito
apaixonado, ao ver passar a Marli, cheio de sua empáfia peculiar, dizia: "Marli, minha frô de fremosura, cê é
minha e boi num lambe. Se lambê, eu cort'a língua!"
Não cortou língua de boi nenhum, que houvesse lambido ou não a mão
da sua Marli, não matou, feriu ou mesmo agrediu fisicamente a ninguém. Era
apenas um velho senhor de alma pura e sonhadora, criado pelos padres e que
partiu desta vida deixando, além de bons serviços prestados e muita gentileza
espalhada, uma série de frases e cenas que enriquecem o anedotário da família,
que até hoje, nos fazem rir a valer em nossos encontros.
Sua bênção, Sr. Antônio do Padre, deve estar divertindo muito a
Deus e suas falanges no infinito. Boa semana e com muitas gargalhadas a todos
e, se virem por aí o Seu Antônio do Padre, deem-lhe um forte abraço e digam-lhe
de minha saudade.
Publicação da semana no blog OCEANO NOTURMO DE LETRAS (Rio de Janeiro
- RJ) – Coluna: FIEL DA BALANÇA, em 12/3/17.
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