terça-feira, 15 de agosto de 2017

Textos Publicados 2017 - 047 (N.º 553 - Ano IV)


Horto. Foto: Francisco Ferreira.

Crime e Castigo



Ontem estava recordando para os meus filhos uma passagem ruim da minha adolescência. Passagem de que até hoje trago as marcas - não traumas -, mas que são marcas que não foram de todo ruins pois proporcionaram enorme e valoroso aprendizado. Quando eu cursava a sexta série (atual sétimo ano), estudava no Instituto São Joaquim, escola particular administrada pelas freiras Clarissas Franciscanas e gozava de ampla confiança dos meus pais que me entregavam o dinheiro das mensalidades e, de posse deste valor e mais o carnê de pagamentos que sempre ficou em meu poder, ia até a agência da antiga Minas Caixa e efetuava o pagamento. Sempre em dia.

            No mês de março daquele ano, 1980, cheguei da agência bancária e atirei o carnê sobre o guarda-roupas e o danado caiu entre o móvel, que era enorme e quase todo em madeira maciça e a parede em que ficava encostado, o que fez servir de sepultura ao bloco de mensalidades. No mês de abril, como de costume, me passaram o dinheiro e eu, não achando o talão e com medo das represálias costumeiras, guardei o numerário, não falei que havia perdido o bendito e nem providenciei de ir à secretaria da escola pedir uma segunda via. Nos meses de maio e junho, a situação se repetiu e, justamente, neste último, a tentação falou mais alto. Era Jubileu (a nossa festa maior) e eu gastei parte do dinheiro, com a intenção de repor depois. Um pensamento e ação temerários, uma vez que não trabalhava e teria que pedir a alguém, sob alegação de qualquer necessidade, o valor para cobrir o desfalque. Não consegui fazer a reposição e acabei por gastar todo o restante. Daí, como se diz aqui na roça: “nem angu e nem biju.” No terceiro mês de atraso, a secretaria da escola convocou o meu pai e “a casa caiu”. Meu pai me levou até aquele órgão do colégio, me fez confessar o erro, requereu uma segunda via, deu-me o dinheiro das mensalidades – como sempre fez - e mandou-me à caixa, efetuar o pagamento e desceu para “esperar-me em casa”.

Nesta época eu era aficionado por coleções: bolinhas de gude, canivetes, figurinhas futebol cards e as minhas grandes paixões: gibis do Tex (mais de cem), do Zagor, entre tantos outros. Tinha também bolas de futebol, uniformes de clubes, “manivelas” de soltar pipas (aprumar papagaio – que é como falávamos) e outros brinquedos mais. Quando cheguei em casa, tudo aquilo estava numa pilha no terreiro e meu pai atirou álcool por cima e botou fogo.Doeu muito ver o meu tesouro ser confiscado daquela maneira, mas cabe uma reflexão: hoje, normalmente não faríamos isto, chamaríamos o filho para conversar, explicaríamos que aquilo foi errado, far-lhe-íamos prometer que jamais voltaria a cometer o erro e, muito provavelmente, daríamos um castigo do tipo: não usar computador ou celular por um período, mas que acabaríamos sendo driblados ou esquecendo do castigo. No meu caso, a lição foi duríssima, eu tinha revistas raras do Tex, que eu jamais voltei a encontrar, mas aprendi a lição do quanto é bom ser honesto e hoje agradeço muito ao meu pai por isto e, na época, agradeci a e ele e ao Universo, por não ter levado uma “pisa” daquelas. Pois eu bem mereci. Sou contra a violência de qualquer natureza, mas que um castigo bem direcionado funciona, isto não tem como negar.

Uma boa semana a todos e sem castigos.

Publicação da semana em minha coluna FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS - Rio de Janeiro - RJ), em 1º/8/17.



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