terça-feira, 22 de agosto de 2017

Textos Publicados 2017 - 048 (N.º 560 - Ano IV)


Flores Silvestres. Foto: Francisco Ferreira.

Maledicências



Há mais de quarenta anos atrás existia em nossa região duas formas de comunicação sui generis que eram o Pasquim (que as pessoas diziam Pisquim) e o Testamento do Judas – a deixa do Juda -. Eram textos de humor em quadras ou sextilhas que normalmente ressaltavam características negativas das pessoas em foco ou relatando algum fato engraçado ou de denodo da vida dos mesmos. O Pasquim era muito usado nas campanhas eleitorais para menosprezar os candidatos adversários ou desmoralizar seus companheiros mais próximos. Sempre eram escritos pelos desafetos daqueles e tratava-se de textos anônimos, embora em muitos casos, sabia-se quem os escrevia. Há notórios autores de pasquim que por questões de não querer gerar polêmicas com eles ou seus familiares, não vou declinar seus nomes. Mas sempre houve pérolas e quadras engraçadíssimas, como a seguinte:

“Chamei fulana de rato,

Fulana nem se importou.

Chamei o rato de Fulana

E o rato se matou”

Eram deixados em locais de grande circulação e passavam de mão em mão até chegar à pessoa retratada.

No caso do Testamento do Judas o mesmo era lido antes da famigerada Malhação do Judas, nos sábados de Aleluias, prática que foi abandonada quando se tomou consciência de que era um ato de incentivo à violência e o ato de se fazer justiça com as próprias mãos, além de que qualquer crime, depois de quase dois mil anos, já estaria prescrito e com sua pena cumprida. Gerava sempre muita expectativa e alguma confusão com os valentes de plantão que diziam: “Se ler esta deixa para mim, eu mato e faço e aconteço!”, já que sempre se faziam spoilers dos textos. E, normalmente, neste caso se conheciam o autor ou autores. Algumas, com mais de quarenta anos, de que ainda me lembro:

“O Seu Fulano de tal,

por não ter o que fazer,

assentou um alambique,

sem ter cana para moer,

vai moendo tiririca

até a cana crescer”.

(Que ressalta o caso de um fazendeiro que construiu um alambique antes de plantar as canas).

 “Hoje eu vou pro inferno,

amanhã vou pras profundas,

levo meu compadre fulano

com a trouxa na cacunda!”

(Sobre um amigo nosso que não dispensava uma “capanga” de lona onde quer que fosse.)

 “Seu Fulano de tal,

vermelho que nem pó de urucum,

deixo a minha caveira

para consoar o seu jejum”.

(Falando de um outro amigo solteirão e que segundo consta vivia em completo celibato involuntário).

E, dessa forma, nosso povo se divertia e falava mal da vida dos outros mas com muito bom humor e poesia. Assim como desejo que seja nossa semana. 

Publicação em minha coluna fixa FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS – Rio de Janeiro (RJ), em 14/8/17.

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