sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Textos Publicados 2017 - 048 (N.º 556 - Ano IV)

Flores Silvestres. Foto: Francisco Ferreira.

Progresso???



Já de uns vinte ou vinte cinco anos que tenho a crescente sensação de que não estava e nem estou preparado para este mundo novo. Tão admirável, quanto difícil. Nasci e cresci em um local e época muito distintos do que vivemos hoje. Lembro-me da minha cidadezinha pacata, de uma vida que se poderia dizer até modorrenta e que, na afoiteza da juventude, achávamos enfadonha e, muitas vezes naquela época, ansiamos pelo progresso e novidades que nos invadiram recentemente. Como estávamos “enganados com a cor da chita”.

Era uma cidade pequena, com problemas de cidade pequena: raríssimas oportunidades de emprego ou estudos, provocando a debandada da juventude em busca de futuro em centros maiores; os abnegados que ficavam tinham de se contentar com o subemprego, informalidade ou o serviço público – sempre muito concorrido e disponível apenas para os sobrenomes tradicionais ou aos “amigos do rei”-, o que os obrigava a “ler na cartilha” de prefeitos, vereadores e seus anexos e “andar nos bolsos” daqueles que detinham o poder. Mas havia sossego e paz, pão em todas as mesas e alguma diversão. Nossas ruas, quase vazias, nos serviam de quadras para o queimado, as pipas, a bolinha de gude, o esconde-esconde, o polícia e ladrão – incrível como a gente sempre queria ser ladrão, mesmo que, hoje, a grande maioria seja honesta e, de nossa turma, tenham saído policiais, empresários, juízes, desembargadores e até bispo –. Uns poucos se “acostumaram na fantasia” e viraram políticos.

Hoje, o progresso chegou com apetite e avidez, a cidade triplicou de tamanho – embora haja um fenômeno que ninguém explica: o crescimento físico é notório e em ritmo alucinante de PG, enquanto a população cresce em PA -. O movimento de carros, é assustador, sobretudo para uma cidade que não se preparou para absorvê-lo e a infraestrutura é precária – apesar dos avanços -; há diversidade de oferta de empregos, destarte tenhamos de disputá-los “no tapa” com a gente de outros sotaques, normalmente mais especializada e experiente do que a nossa; há sempre um curso técnico, de aprendizagem, capacitação ou habilitação. Centenas de novas formas de lazer e entretenimento. Enfim, a pequena moça provinciana assumiu ares de dama cosmopolita.

Mas, conforme vovó já dizia: “não há perfeito sem defeito”. O índice de crimes violentos, consumo e tráfico de entorpecentes tornou-se uma calamidade, ceifando jovens vidas quase semanalmente, as nossas casas que se acostumaram a viver de portas abertas estão tornando-se fortalezas e cárceres e neles vivemos presos, amedrontados, ansiosos, adoecidos. Para quem tem de sair de casa à noite para trabalhar, acompanhar alguém ou mesmo em busca de lazer corre-se sempre o risco de ser assaltado, extorquido, agredido. Antes se andava despreocupado pelas ruas, o perigo máximo que se corria era tropeçar num despacho ou cruzar com um cachorro louco.

Há três anos que busco minha filha no ponto de ônibus, por volta de meia noite, vinda da faculdade. No início levava celular, carteira e o pouco dinheiro que tinha, agora coloco cinco reais e o RG nos bolsos e vou torcendo e pedindo ao Universo que me mantenha ileso nesta cidade pequena com problemas de cidade grande.

Boa semana a todos. 


Publicação em minha coluna semanal FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS (Rio de Janeiro –RJ), em 7/8/17.


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