O
NEGÓCIO DA MOÇA
Há
alguns anos, havia uma categoria de trabalhador nas fazendas daqui das Gerais,
intitulada de Bobo de Fazenda. Normalmente tratava-se de homem com alguma
deficiência ou solteirão que morava nas fazendas e fazia os trabalhos que os
donos achavam-se muito “qualificados” para fazê-los ou que pensavam tratar-se
de rotina desimportante, para as quais não compensasse pagar um diarista. O
Bobo geralmente não era remunerado pelos seus trabalhos ou, quando remunerado,
era bem abaixo do valor correto e justo. Alguma semelhança com a vida atual?
Toda
Fazenda que se prezasse tinha por obrigação de ter o seu Bobo, algumas, até
mais de um. Faziam gaiolas, alçapões, arapucas, balaios; cuidavam das galinhas
poedeiras e chocadeiras, alimentavam porcos e cachorros; pegavam cavalos,
varriam terreiros e fornos; carregavam água, lavava vasilhas, acendiam fogo; e,
o mais importante, serviam de companhia para as donas de casa, as moças e as
crianças em geral. Muitos eram maltratados, apanhavam, sofriam castigos e toda
sorte de malvadezas dos fazendeiros, seus filhos e lacaios. Mas criavam uma
certa identidade com a Fazenda, muitos deles sendo capazes até de morrer pelas
causas do local e de seus donos.
Na
Fazenda do avô da Duxa, moça donzela, amante da cachaça e da boa prosa, o Bobo
era Cutelo. Dom Cutelo, o Filósofo, para ser mais exato e fazer justiça às
peripécias do rapaz. Alto e magro, parecendo um caniço, cabeça pequenina e
coração enorme, dado a bebedeiras e bravatas, arrotava valentia, sem contudo,
fazer mal nem sequer a uma mosca ou formiga. Era inofensivo e fiel como um
cãozinho de madame.
Certa
feita, numa roda de truco e cachaçada, a moça donzela Duxa, contou-nos esta
história do filósofo:
“Lá
pelo tempo do onça, quando era permitido aos candidatos fazerem festas regadas
a chope, churrasco e forró, as campanhas políticas lá na roça eram animadas.
Vinha gente da cidade, principalmente as FULANetes (que eram moças desfrutáveis
que aderiam a um ou outro candidato) e, literalmente, o pau quebrava. Se não
quebrasse, pelo menos vergava.
Bão, numa destas
tais, o amigo Cutelo, deu de mão numa das “desfrutáveis”, loiríssima, vestida
sumariamente e de trejeitos duvidosos. Mas para o filósofo era o céu. Chamou
pra sofrer uma peça, ela foi. Deu “imbigada”, ela correspondeu. Chamou pra
tomar uma “celveja”, ela foi. E, de repente, foi...
Meia hora depois,
o povo se alvoroça e alguém grita:
-- Acuda gente
quiu Cutelo descangota a moça.
Corro para ver o
que era e encontro o nosso filósofo de socos e pontapés na loura. Puxo o amigo
de lado e "passo o pito":
--Quêquéisso, Dom
Cutelo? O senhor então bate em mulher agora? Desafasta! Toma tento!
No que o Filósofo,
bufando de raiva, mas já na unha do povo, desabafa:
-- I num é pra
mode batê, Dona Duxa? I num é? Magina a sinhora quieu tô cum ela lá no Beco do
Binidito, de boa intenção, namorano filme, pensano inté pidi casamento.
Cunversa vai, cunversa vem, passamão no cangotim dela e ela dexa. Passamão na
barriguinha dela e ela dexa. Aí, já viu, né? Fiquei intusiasmado, quereno
pruquê quereno. Quandeu levo a mão lá... Creeeeeeeeemdospade!!! Mari valeme!!!
As coisa dela é maió que as minha, Dona Duxa! É maió quias minha!
E arrematou, dona
Duxa:
--Tadim, gente! Ô
dó!
Classificado para a antologia 1º Painel de Contos Premiados - Edição
2017 da Câmara Brasileira de Jovens Escritores (CBJE) - Rio de Janeiro (RJ), em 23/8/17.
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