quinta-feira, 27 de julho de 2017

Textos Publicados 2017 - 045 (N.º 534 - Ano IV)


Desenho de Clevane Pessoa, gentilmente cedido pela autora.


Perigos da Infância



À minha época, a infância na roça era um tempo de pouco ou quase nenhum brinquedo industrializado e nenhuma diversão eletrônica, exceto o velho e bom rádio de pilha (normalmente sintonizado na Rádio Globo do Rio, Rádio Record de São Paulo ou Rádio Atalaia de Belo Horizonte. Esta última uma espécie de FM quando estas ainda não existiam. Pelo menos aqui por estas bandas). Mas as crianças não tinham acesso àquele que era o maior luxo das famílias. E, nos contentávamos em construir nossos próprios brinquedos, invariavelmente de restos e cacos; de inventar peripécias, pescar, caçar passarinhos, ouvir as histórias dos mais velhos (verídicas, lendas e os famosos contos de fada) e trabalhar, que era uma das formas de entretenimento e, como dizia meu avô: “Trabalho de menino é pouco, mas quem desperdiça é louco!”

Mas um capítulo à parte em nossas venturas, aventuras e desventuras eram os muitos perigos a que estávamos sujeitos diuturnamente. Para se ter uma ideia do tanto de riscos que corríamos vou elencar algumas destas tantas ameaças às nossas vidinhas de tantas e tão grandes preocupações:

·         Fazer careta (se ventasse, trovejasse ou o sino tocasse, ficaria assim para sempre. Mas, apesar de crermos e temermos este destino terrível, não deixávamos de organizar nossos campeonatos de distorções do rosto);

·         Bater na mãe (a mão secava. Inclusive, na capelinha perto de minha casa tinha o exemplo do menino, que de tanto bater na genitora, virou corpo. O padre é que não permitia que crianças vissem, mas todos os adultos já tinham visto. Desde o início dos tempos);

·         Ser mordido por cágado. (Você estava literalmente cagado, pois o bicho só soltaria se o sino batesse. Eu pelo menos, nunca vi um destes quelônios na igreja e nem muito menos ninguém com um deles agarrado ao dedão. Mas que, se mordesse, era fatal);

·         Dormir nu. (O Anjo da Guarda o abandonaria.);

·         Brincar com fogo (faria xixi na cama. Normalmente dormíamos tão preocupados com esta ameaça que, uma vez ou outra, acontecia. );

·         Contar estrelas (daria verrugas na mão. Contávamos para conferir se era verdade);

·         Chupar laranja e tomar café logo em seguida (dava "tiriça", que é um dos nomes a que se davam a hepatite);

·         Andar de costas (a mãe morreria);

·         Varrer casa com alguém dormindo (pessoa da família morreria);

·         Dizer que morreram tantos sem a seguinte imprecação: "Morreram dois! Três com a parede da igreja". Por exemplo! (Você seria o próximo!)



Mas, driblamos os perigos. Sobrevivemos incólumes a todos eles e, se assim não fosse, hoje eu não estaria aqui, contando estas histórias para vocês. Uma excelente semana a todos, sem correr perigos.
Publicação em minha coluna semanal FIEL DA BALANÇA no blog OCEANO NOTURNO DE LETRAS – Rio de Janeiro (RJ), em 17/7/17.



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