Flor Silvestre. Foto: Francisco Ferreira.
Natal...
qual?
Lá nas margens do Córrego do Lavrado,
na vila de São José do Córrego do Lavrado, mais conhecida por Corgo da Precata,
o moço recém casado, querendo fazer um mimo à esposa que esperava pelo primeiro
rebento (provavelmente o primeiro de uma enorme prole, já que aquele povo era
devoto de São Bento: um fora, um dentro e outro no pensamento), parou de beber
e de jogar vinte e um e caixeta, economizou uns cobres e comprou uma leitoa
para lisar para o Natal. Atravessou a
dita cuja, devidamente amarrada pelas quatro patas - berrando de medo e stress
- e ribitou para casa, mais “feliz do
que pinto no lixo” ou “galinha que bota no chiqueiro”. Em casa, cheiro no
cangote da esposa e diz, babando mel, de tanta doçura:
-- Esta leituinha é pro seu natale,
fia! Cê cuida direitinho dela.
Botou reparo na
frieza da mulher com o presente, mas não fez caso. Pensou que fosse do estado
interessante dela e amarrou a marrãzinha pelo pé, ali mesmo perto da
bica. Todo xasquento de poder fazer
um agrado à menina “seus amô”.
Acontece que, ali próximo, havia a
venda do Sr. Natal – única da comunidade e que, portanto, praticava os preços
que bem queria, sempre muito acima das vendas da cidade – e a quem todos
chamavam de Seu Natale. Pois bem, a tal da porquinnha, enxerida como é toda
porquinha, deu de fossar nas plantas e folhagens da dona da casa. A mulher
jogava água, terra, pedra e por fim, até – que Deus me perdoe – deu-lhe umas
coças de bambu do reino, mas nada. A porca destruía tudo. Deu que na véspera do
natal, passa por lá o Sr. Natal (o dono da venda, se antecipando, no
calemdário) e a moça, solícita e ardilosa como ela só, o chama:
-- Seu
Natale, meu marido disse que esta leitchoa era do sinhô. O sinhô pudia bem fazê
o favô de levá, mode ela pará de fussar as minha pranta.
Natal, estranhou o presente,
mas “cavalo dado é cavalado dado e não se olha os dentes”, deu de mão na bacorinha e levou pra casa todo pimpão. O moço, na
volta para casa, já com a quicé afiada, pronto para fazer o serviço na porca, não a encontrando, corre esbaforido para a
cafua, questionando a esposa:
-- Oh, fia. Num viu que rumo tomô a
leituinha do seu natale?
-- Ari’essa Zé, intreguei ela pru
dono. Pro seu Natale.
O rapaz ficou com de quem
levou coice de mula ou mesmo viu assombração, alma apenada ou lobisomem e
passou uma carraspana na senhora sua esposa:
-- Muié dinsifiliz, era pro seu natale,
dia 25 de dezembro e não pra’quele ladrão du’a figa!
-- Ocê laiga de cê besta Zé, e, d’otra
vez ocê exprica. – respondeu a mulher de Zé com “cara de
cachorrinho que quebrou panela”. Emburrou e fez greve até o Dia de Reis, quando
enfim, desmontaram o presépio da Capela de São José e sua raiva passou.
Publicação da semana no blog OCEANO NOTURMO DE LETRAS (Rio de Janeiro
- RJ) – Coluna: FIEL DA BALANÇA em 14/2/17.
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